sábado, 30 de agosto de 2014


Falta de informação dificulta luta contra autismo, dizem profissionais

Sete décadas após primeiras citações, disfunção é tabu, afirmam docentes.
'Cada ganho é comemorado', diz coordenadora de entidade em Ribeirão

A terapeuta ocupacional Paola Segati com Felipe Rondi em entidade em Ribeirão Preto (Foto: Rodolfo Tiengo/ G1)
A terapeuta Paola Segati com Felipe Rondi em entidade em Ribeirão Preto (Foto: Rodolfo Tiengo/ G1)
Disfunção que afeta a interação social e o aprendizado, o autismo foi descrito pela primeira vez entre 1943 e 1944 pelos médicos austríacos Leo Kanner e Hans Asperger. Sete décadas depois, o tratamento e as formas de abordagem evoluíram, mas ainda esbarram na falta de informação e no despreparo de pais e professores de ensino regular, relatam ao G1 profissionais e familiares que lidam diariamente com o problema em Ribeirão Preto (SP). A paciência para resultados em longo prazo e o afeto, segundo os entrevistados, ainda são a peça-chave para a questão.
O problema, hoje sem números oficiais no Brasil, foi lembrado na última quarta-feira (2), Dia Mundial da Conscientização do Autismo. Em cidades como Franca (SP) e Ribeirão, a última semana foi marcada por caminhadas para alertar as pessoas sobre a importância de se vencer os preconceitos e buscar avaliação profissional com antecedência.
Atual coordenadora geral da Associação de Amigos do Autista de Ribeirão Preto (AMA-RP), antes de entrar para a única entidade de Ribeirão que atende 78 pacientes da região gratuitamente, Maria Cristina Bonassoli Verdi Poeta de Carvalho, de 56 anos, teve que lidar em casa com o dilema. Seu filho Leonardo, que aos 27 anos é um dos alunos da instituição, foi diagnosticado com autismo aos 2 anos. "Ele tem um autismo clássico e deficiência intelectual. Quando pequeno, ele era hiperativo, não tinha parada, tinha algumas crises agressivas. Hoje é um sossego, vai à academia todo dia, toma banho e escova o dente sozinho, coisa que levei anos para que ele pudesse aprender", diz.
Ao se ver diariamente diante de novos casos, Maria Cristina descreve aqueles que são os sintomas mais notados pelas mães: resistência para brincar e interagir com outras crianças, dificuldade para falar a partir de 1 ano, falta de resposta ao que se pergunta, maneiras não convencionais e minimalistas de interagir com os objetos – em vez do carro, por exemplo, o menino manipula somente as rodas. “Os pais percebem que são diferentes, mas muitas vezes demoram muito tempo para levar o filho ao médico para fazer o diagnóstico. Eles percebem que os filhos são diferentes mas não acreditam que possa haver problema mais sério. Depois dos 2, 3 anos, percebem que não estão aprendendo, aí se preocupam e procuram ajudam médica.”
Eles demonstram da maneira deles o que sentem por nós"
Paola Segati, terapeuta ocupacional
A grande dificuldade dos pais, diz a coordenadora, é entender que esses hábitos podem ser sintomas da doença. Somado a isso, vêm as limitações científicas. As causas biológicas da disfunção ainda não são totalmente conhecidas e o teste psiquiátrico realizado nas crianças consiste da observaçãoe  dos relatos dos pais. "O que existe é análise clínica, não há um exame", afirma Maria Cristina.
Uma das que tiveram que enfrentar a situação foi a dona de casa Lucélia Aparecida Rocha de Moura, de Pontal (SP). Duas vezes por semana ela leva seu filho Felipe Rondi, de 5 anos, para a associação de autistas em Ribeirão Preto na esperança de que ele se desenvolva como as outras crianças. A desconfiança suscitada pelo apego excessivo a objetos e o hábito de não olhar para a mãe nos diálogos levou a família a constatar a doença aos 2 anos com um médico. “Foi sofrido, mas ficamos atentos para correr atrás do que podia ser feito, por isso estou aqui hoje”, relata.
Em sala de aula, seu filho também muda a vida dos profissionais que atuam com ele. Recém formada em terapia ocupacional, Paola Segati, de 23 anos, começou a trabalhar com Felipe após duas semanas de adaptação. Para ela, o contato diário com crianças como ele garantem um aprendizado único. “É um público com o qual nunca tinha pensado em atuar, mas surgiu essa oportunidade para mim. Estou me encantando a cada dia, porque a gente sempre lê muita coisa sobre o autismo, mas na prática é muito diferente. Eles são muito afetuosos, cada um tem seu jeitinho. Eles demonstram da maneira deles o que sentem por nós, é muito gratificante”, afirma.
A coordenadora da AMA, Maria Cristina Bonassoli, com seu filho e integrante da AMA, Leonardo, de 27 anos (Foto: Rodolfo Tiengo/ G1)A coordenadora da AMA, Maria Cristina Bonassoli, com seu filho e integrante da AMA, Leonardo, de 27 anos (Foto: Rodolfo Tiengo/ G1)
Dedicação e paciência
Para quem se defronta diariamente com autistas, mais do que conhecimento em abordagens pedagógicas, é necessário ter paciência para compreender e receber os estímulos positivos que podem vir a passos lentos. “Cada ganho é muito comemorado, às vezes você ensina uma criança durante anos, até que ela aprende. Às vezes demora anos, mas você tem que insistir. Cada um tem seu tempo de aprendizagem”, diz a coordenadora da AMA Maria Cristina.
Lição que Bruna Nobre, de 33 anos, aprendeu ao longo de 14 anos como pedagoga na associação. “Acho que é importante sim o conhecimento, o estudo, mas primeiro de tudo é gostar do que se faz. A gente lida com todos os tipos de comportamentos, todos os níveis de autismo, nem sempre você vai aplicar o que você aprende na faculdade”, diz a professora, enquanto orienta uma aluna de 30 anos com autismo.
A recompensa, garante Bruna, vale mais que o esforço. “A maior satisfação é quando eles respondem àquilo que a atividade propõe, quando eles reconhecem cada gesto nosso. Muitos falam que autistas não têm afeto, mas, pelo contrário, eles são muito afetuosos.”
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Bruna Nobre com Karina Moreira, de 30 anos, em associação de autistas em Ribeirão Preto (Foto: Rodolfo Tiengo/ G1)Bruna Nobre com Karina Moreira, de 30 anos, em associação de Ribeirão (Foto: Rodolfo Tiengo/ G1
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