segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015


I INTERVENÇÕES DA FONOAUDIOLOGIA NO AUTISMO

Marcia
Parte final do texto.
INTERVENÇÕES DA FONOAUDIOLOGIA NO AUTISMO
Fga. Márcia Maria Loss de Carvalho
CRFa 4014
Segundo a ASHA4 (American Speech-Language-Hearing Association):
A Linguagem é feita de regras comuns a toda a sociedade como as seguintes:
O significado das palavras (ex.: ‘‘estrela’’ pode significar um objeto brilhante no céu ou uma celebridade).
Como fazer novas palavras (ex.: amigo, amigável).
Como colocar palavras em ordem (ex.: ‘‘Maria foi para a nova loja’’ ao invés de ‘‘Maria nova loja foi’’).
Qual combinação de palavras é mais adequada dependendo da situação (‘‘Você poderia me dar licença, por favor?’’ pode rapidamente virar ‘‘Saia da minha frente!’’ se o primeiro pedido não for atendido).
Fala é o modo verbal de comunicação. A fala é feita de:
Articulação: O modo que sons são feitos (ex.: crianças devem aprender a produzir o som ‘‘r’’ para falar ‘‘prato’’ em vez de ‘‘pato’’).
Voz: O uso das cordas vocais e da respiração para produzir sons (ex.: quando a voz não é usada corretamente ou quando é usada demais, o abuso pode resultar em perda da voz ou rouquidão).
Fluência: O ritmo da fala (ex.: hesitações ou gaguejos podem afetar a fluência).
Quando uma pessoa tem dificuldade em entender os outros (linguagem receptiva), ou em expressar pensamentos, idéias e sentimentos completamente (linguagem expressiva), ela sofre de um distúrbio de linguagem.
Quando uma pessoa é incapaz de produzir sons corretamente ou fluentemente, ou quando essa pessoa tem problemas com sua voz, ela tem um distúrbio de fala.
Outro dado muito pertinente seria o conhecimento da competência5 bem como das áreas de atuação do Fonoaudiólogo:
-Desenvolver trabalho de prevenção no que se refere à área da comunicação escrita e oral, voz e audição;
-Participar de equipes de diagnóstico, realizando a avaliação da comunicação escrita e oral, voz e audição;
-Realizar terapia fonoaudiológica dos problemas de comunicação escrita e oral, voz e audição;
-Lei 6965/81-Artigo 4º do Código de Ética-2004
O profissional da Fonoaudiologia exerce suas funções em Unidades Básicas de Saúde, Ambulatórios de Especialidades, Hospitais e Maternidades, Consultórios, Clínicas, Home Care, Domicílios, Asilos e Casas de Saúde, Creches e Berçários, Escolas Regulares e Especiais, Instituições de Ensino Superior, Empresas, Meios de Comunicação, Associações, ONGS, entre outras que possam advir da necessidade do trabalho fonoaudiológico.
Então, se faz necessário que o médico pediatra identifique as dificuldades de fala e linguagem (comunicação como um todo) dos seus pacientes e realize o encaminhamento ao Fonoaudiólogo a fim de que ocorra uma intervenção o mais precocemente possível. Não podemos, em hipótese alguma, esperar até os 36 meses para o desenvolvimento da comunicação.
O não surgimento da comunicação oral na idade esperada pode ser um indicativo de alteração dessa habilidade. Essa alteração vai se refletir em todo desenvolvimento da criança, seja ele cognitivo, social ou afetivo.
Essa dificuldade em se comunicar pode ser um indício de um Transtorno do Espectro do Autismo. As crianças com esse Transtorno apresentam uma grande dificuldade na capacidade de se comunicar pela linguagem verbal (linguagem escrita ou falada) e não verbal (conjunto de sinais e símbolos que fazem parte do nosso dia a dia, os gestos, as posturas corporais e faciais) e, com isso, permanecem isoladas e distantes em seus mundos particulares.
No seu livro “Mundo Singular”6, Ana Beatriz Barbosa Silva relata que “…uma careta, um sorriso ou um piscar de olhos podem significar muito mais do que uma simples alteração na mímica facial.”
Aprendemos a interpretar as expressões faciais e a linguagem corporal das pessoas com as quais interagimos. Grande parte da comunicação acontece justamente dessa linguagem não verbal.
O que nós falamos e como é feita essa comunicação, transmite ao outro uma imensa gama de sinais e intenções.
Segundo Ana Beatriz Barbosa Silva, “um prejuízo nessa capacidade de avaliação pode deixar a pessoa com poucos recursos para interpretar situações, resultando numa impressão de ser ingênua ou até mesmo inconveniente.”
Problemas no desenvolvimento da linguagem são os primeiros sinais de que o desenvolvimento da criança não está dentro do esperado e podem sugerir um Transtorno.
A ausência da comunicação acaba sendo o fator pelo qual os pais se preocupam e procuram ajuda.
O primeiro passo, do longo caminho que os pais percorrem, é a Avaliação Neuropediátrica e/ou Psiquiátrica.
Após o diagnóstico, são encaminhados aos profissionais que atuam conjuntamente com o médico. Normalmente são: fonoaudiólogo, psicólogo, terapeuta ocupacional, entre outros.
O papel dos neurologistas/psiquiatras consiste em garantir a adequação do encaminhamento tanto para a avaliação quanto o controle, segundo Isabelle Rapin em Autismo, Abordagem Neurobiológica7.
Continua suas observações alertando que “eles também devem cuidar para que as intervenções oferecidas por professores especializados e outros terapeutas enfoquem as necessidades particulares de cada criança. O principal objetivo da intervenção na linguagem é incentivar pais e profissionais a adotarem uma abordagem de desenvolvimento da comunicação e não apenas de ensino de palavras fora do contexto da intenção comunicativa. A criança com autismo necessita aprender, desde o início, o conceito de que a comunicação, por meio de qualquer canal, significa poder.”
Os neurologistas têm de garantir aos pais que o uso da linguagem pelo olhar, assim como pela audição, vai acelerar, e não atrasar, a aquisição da linguagem oral e que o foco da intervenção não deve estar na articulação, mas no uso da linguagem no contexto das atividades cotidianas e das brincadeiras (Isabelle Rapin).
Temos que ter a consciência de relatar as coisas que estão acontecendo no dia a dia da criança porque essas situações são proveitosas, trazem vantagens, benefícios que abastecem um referente visual menos breve, menos instantâneo que a palavra falada.
É extremamente necessário que a equipe multidisciplinar (fonoaudiólogo, psicólogo, terapeuta ocupacional, etc.) trabalhe de forma integrada, completa, e que haja esforço, interesse e participação familiar.
Quanto menor a idade da criança, mais flexível e capaz está o cérebro em causar mudanças nas estruturas. Por esta razão, quanto mais precoce for o diagnóstico, melhor será o tratamento pela plasticidade cerebral.
Ana Beatriz Barbosa Silva, em Mundo Singular, coloca que “a plasticidade é definida por algo que pode ser moldado ou formado. Se a programação genética do indivíduo não o preparou para estímulos que iria enfrentar no ambiente em que vive, a plasticidade pode permitir que o cérebro se readapte para eles. O cérebro possui uma capacidade incrível de se reorganizar quando exposto a novos aprendizados. Dessa forma, quando aprendemos algo novo, nosso cérebro “cria” caminhos para que aquele aprendizado seja colocado em prática.”
Acredito que para o sucesso no desenvolvimento global da criança com Transtorno do Espectro do Autismo, o Tratamento, seja ele Fonoaudiológico, Psicológico, etc., deve ser individualizado, personalizado, dependendo da condição de aprendizagem.
A criança com Transtorno do Espectro do Autismo também deve estar inserida em Escola Regular, segura e acolhedora, dependendo das suas condições, com currículo adaptado. Muitas vezes, a criança precisa de recursos diferentes para aprender os mesmos conteúdos que a criança típica. O contato com essas crianças típicas favorece diferentes estimulações das que são adquiridas em terapias individuais.
É de extrema importância a intervenção de estimulação de linguagem visto que é um aspecto bastante comprometido.
Essas alterações de linguagem e o próprio prognóstico variam muito dependendo da severidade do quadro do Transtorno do Espectro do Autismo.
A comunicação funcional nos Transtornos do Espectro do Autismo é o ponto, o objetivo mais significativo da intervenção fonoaudiológica. A grande maioria das crianças, com esse Transtorno, apresenta muita dificuldade em usar a linguagem com a real função de se comunicar num ambiente de interação, em dar o primeiro passo na comunicação e de manter, de forma funcional, esse diálogo (dificuldades pragmáticas).
As crianças com Transtorno do Espectro do Autismo8 podem apresentar dificuldades nos quatro diferentes níveis da linguagem: (1) Fonológico (a articulação dos fonemas – inteligibilidade e precisão dos sons, (2) Gramático (regras de produção de sentenças – morfologia e sintaxe), (3) Semântico (o “dicionário” de palavras no cérebro e seus significados) e o (4) Pragmático (são as regras que comandam a fala comunicativa).
As principais “sinais de alerta”, em relação à fala e a linguagem, observadas nas crianças com Transtorno do Espectro do Autismo são:
-atraso de fala;
-ausência de fala;
-alterações de articulação;
-alterações de prosódia (fala monótona);
-inversão pronominal (uso de “ele” ao invés de “eu”);
-ecolalia (repetição da fala das outras pessoas);
-rigidez de significados (dificuldade em compreender metáforas comuns em piadas);
-dificuldade na compreensão do estado mental do outro e dela própria;
-dificuldade na atenção compartilhada (a intervenção nesta habilidade está em fazer com que a criança com Transtorno do Espectro do Autismo consiga dividir sua atenção entre os objetos e o que se passa ao seu redor, usando, para isso, o contato visual, os gestos, as vocalizações, etc.);
-dificuldade nos jogos sociais (a intervenção nesta habilidade está em fazer com que a criança com Transtorno do Espectro do Autismo consiga desenvolver o processo de simbolização – brincadeiras de faz de conta e imaginação);
Todos esses aspectos precisam ser trabalhados nas sessões fonoaudiológicas e visam à adaptação, dessas crianças, em contextos educacionais e sociais. As orientações aos pais, responsáveis, cuidadores, professores, também devem fazer parte do sucesso do tratamento.
O objetivo maior da Fonoaudiologia é ajudar a criança com Transtorno do Espectro do Autismo a comunicar-se de forma útil e também funcional.
Isabelle Rapin afirma que “em crianças de 12 a 36 meses o prognóstico para a linguagem não é confiável.” E continua… “como seria de se esperar, as crianças cuja linguagem desenvolve-se na idade escolar têm melhor prognóstico do que as que permanecem não verbais. Em geral, a linguagem melhora com a idade, mas isso depende do tipo de disfunção, da gravidade, dos déficits cognitivos e da idade em que a intervenção apropriada tornou-se disponível.”
É dever incondicional dos profissionais cativar, ganhar a confiança, a segurança dos pais e fornecer as mais novas informações atualizadas e cientificamente embasadas à medida que acompanham as crianças com Transtorno do Espectro do Autismo.
Encerro este capítulo com palavras de um casal que tem um filho de onze anos, completados agora, em 2013, com a Síndrome de Asperger. São palavras doces e muito profundas que me tocaram e que me incentivam no trabalho diário com essas crianças. O nome da criança bem como o dos pais será preservado.
“Bom, enfim são onze anos dos quais, você fez parte de todos eles e somos imensamente gratos por isso. Sem a sua dedicação, a sua competência profissional e seu amor pelo L. ele não teria conseguido chegar a assoprar a vela, a cortar o bolo e fazer o pedido, a sorrir para as pessoas, olhar para a câmera na hora da foto! Cada pequeno gesto deste é fruto de um imenso trabalho que você mais do que ninguém pode se orgulhar de ter conquistado e comemorar conosco estas grandes vitórias! Imagine só o que teriam sido estes onze anos da vidinha dele sem o trabalho de todos, mas especialmente de você que teve paciência e amor por um bebê que não olhava nos olhos e que por mais que você se esforçasse não falava nem uma palavrinha… Obrigada, mil vezes obrigada por tudo o que você já fez pelo L. e pedimos sempre à Deus que permita que você siga com ele por muitos anos. Você abriu os olhos dele para que ele pudesse olhar para o mundo, você ensinou as primeiras palavras e esperamos que possa seguir vendo ele crescer neste caminho ainda longo e difícil mas que temos certeza que com a ajuda de pessoas iluminadas como você, ele vai conseguir. Um grande abraço, D. e M.”

Referências
1)site: www.autismoerealidade.org.br
2)Revista CEFAC – volume 11- São Paulo; 2009.
3)Zorzi JL. A intervenção fonoaudiológica nas alterações de linguagem infantil. Rio de Janeiro: Revinter; 2002.
[ Links ]
4)site: www.asha.org
5)site: www.fonoaudiologia.org.br
6)Silva ABBL. Mundo Singular – Entenda o Autismo. Rio de Janeiro: Objetiva; 2012.
7)Tuchman R. e Rapin I. Autismo, Abordagem Neurobiológica. Porto Alegre: Artmed; 2009.
8)Farrell M. Dificuldades de Comunicação e Autismo. Porto Alegre: Artmed; 2008.

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